segunda-feira, 28 de novembro de 2016

As melhores histórias da mitologia Africana - A. S. Franchini; Carmen Seganfredo


Por: Rafaela Lotici Gonçalves da Silva


Considerando que a cultura africana ainda é estigmatizada, possui um estereótipo de apagamento de registros histórico-culturais, o livro vem em a contribuir para a desmistificação desse preconceito além de causar a sensação de deleite ao leitor que ao se deparar com toda a uma carga cultural, consegue visualizar a tamanha riqueza que o continente africano possui.
A conectividade com a Mãe África, a terra, a natureza, os deuses, está presente nas sessenta e seis belas histórias das crenças da cultura africana. Em seguida uma das histórias na íntegra para aguçar o paladar literário.

“Iemanjá dá a luz”
Iemanjá, vivia sozinha no céu, sob as vistas de Olorum, o deus supremo africano. Este, ao ver um dia o quanto a deusa estava isolada, resolveu que era hora de ela povoar a sua solidão.
-        Iemanjá deve ter alguém que lhe faça companhia - disse o deus a si mesmo.
A lenda não diz exatamente o que Olorum fez, mas o fato é que depois de algum tempo a barriga de Iemanjá começou a crescer extraordinariamente.
-        O que será isto? - dizia ela, a observar o ventre cada vez mais disforme.
Iemanjá passou em revista toda a sua alimentação, mas nada encontrou de anormal.
-        Não entendo! Não comi um grão a mais! - disse ela, convicta da inocência como uma obesa reincidente diante do ponteiro acusador da balança.

Em vão. Quanto mais a deusa se espantava, mais o ventre crescia.
Então, no dia em que, diante do espelho, não pôde mais ver seu próprio rosto, correu apavorada até Olorum.
-        Até quando isto irá? - disse ela, abraçando o ventre como quem abraça o globo terrestre.
-        Calma, menina, falta pouco - disse o deus, muito calmo.
-        Pouco? Quanto pouco? - disse ela, muito nervosa.
-        Bem pouquinho - disse ele, extraordinariamente sereno.
Iemanjá voltou para casa sem ter conseguido se acalmar.
-        O que haverá aqui dentro? - disse ela, encostando o ouvido no próprio ventre.
Um ruído de búzios soltos a se chocarem entrou-lhe pelo ouvido.
-        Quantas coisas a agitarem-se dentro de mim! - disse ela, apavorada.
Os dias passaram e seu ventre expandiu-se tanto que ela passou a ser só um ventre com pernas e braços.
-        Socorro! - disse ela, mirando não o deus, mas a gigantesca esfera do seu ventre.
-        Calma, chegou a hora - disse Olorum, não muito serenamente, já que afastou-se um pouco e discretamente para o lado.
Neste instante Iemanjá deu um grito - um grito que não sabemos dizer se foi de dor ou de alegria - e caiu deitada de costas. Logo em seguida suas pernas se abriram e de dentro dela escapou-se uma torrente fantástica de pequenas luzes faiscantes.
-        Chame-as de "estrelas", minha querida! - disse Olorum, radiante. - A partir de hoje, suas noites deixarão de ser escuras e solitárias!
A torrente de estrelas continuou a espalhar-se por todo o céu, como uma chuva de diamantes, até que a última fagulha de luz tivesse ido ocupar o seu lugar no grande telhado da noite.
Iemanjá, ao ver-se outra vez com o ventre lisinho, suspirou:
-        Muito obrigada, maior dos deuses. Já não sou mais solitária, nem apenas um ventre.
Iemanjá passou a ocupar suas noites em observar, a distância, cada uma das estrelas. Depois, deu um nome a cada uma delas e também às constelações, que eram as famílias delas.
Infelizmente, nenhuma foi capaz de lhe responder, nem para dizer se gostara ou desgostara do nome, de tal sorte que Iemanjá continuou a viver na mais iluminada das solidões.
Olorum percebeu o retomo da tristeza da deusa.
-        Difícil contentá-la - disse a si mesmo, e bem baixinho, porque dizer isto para uma mulher (seja deusa ou não) qualquer homem (seja deus ou não) sabe bem o preço.
Dali a algum tempo, não sabemos por que artes, Iemanjá começou a esferizar-se novamente.
-        Ai, não! Outra vez! - disse ela, afagando o ventre ligeiramente abaulado.
Outra vez, sim, Iemanjá teve de passar pelo suplício de uma gravidez prodigiosa. O tempo passou e ela apresentou-se novamente diante de Olorum.
-        Veja isto, grande deus! - disse ela, desconsolada. - O que virá agora?
-        O que virá se verá - disse o deus, laconicamente.
Mais um pouco e a deusa já podia colar o ouvido na barriga, outra vez. Um ruído líquido intenso seguido de estrondos prodigiosos encheram-na de espanto.
-        Que coisas moventes são estas que trago aqui dentro? - disse, assustada, a si mesma.
Mas o que era, de fato, ela só descobriu quando, caída de costas outra vez, viu brotar do seu ventre um verdadeiro exército de nuvens de todas as formas e tamanhos - desde os discretos cúmulos e cirros até as gigantescas nuvens tempestuosas da cor do ferro, que logo começaram a engolir as demais.
-        O que está acontecendo, grande deus? - disse Iemanjá, assustada com a escuridão.
-        A estas criaturas macias e alvas chamaremos "nuvens" e à junção maravilhosa de todas elas chamaremos "tempestade" 
disse o deus, serenamente, mas procurando já um bom abrigo.
Logo o céu encheu-se de clarões e estouros - que o deus, em seu furor batizante, chamou de "relâmpagos" e "trovões' - e um poderoso aguaceiro desceu dos céus, enchendo a terra de todas as formas de acumulações de água, desde os cacos de água das poças até os gigantescos espelhos dos oceanos.
Iemanjá, entre maravilhada e aterrada, assistiu ao espetáculo das águas, que desciam velozes dos céus para a terra e depois subiam velozes da terra para os céus.
Infelizmente, nenhuma destas coisas ruidosas jamais trocou consigo uma única palavra, de tal sorte que lemanjá continuou prisioneira da mais úmida das solidões.
-        Nem nuvens nem estrelas a agradam - disse Olorum, baixinho, ao ver a deusa triste outra vez.
Então, pelo mesmo expediente a nós ocultado, lemanjá voltou a ter seu ventre fecundado.
-        O que mais agora, meu pai?! - disse ela, pondo uma nova mão trêmula sobre a barriga.
O ventre cresceu outra vez, lemanjá sumiu atrás dele outra vez, e depois de ter colado o ouvido nele e ter escutado uma confusão de ruídos, procurou outra vez o deus supremo até ver-se novamente caída de costas.
-        Grande deus, o que vejo aqui? - disse lemanjá, numa felicidade espantada ao ver brotar de dentro de si uma série de seres tais como ela.
Eram sete deuses, que Olorum, com um riso imenso no rosto, foi nomeando um a um:
-        Eis Xangô, deus do trovão e da justiça! Eis Iansã, deusa dos ventos e da tempestade! Eis Ogum, deus dos metais e da guerra! Eis Ossaim, deus das ervas e da cura! Eis Omulu, deus da varíola e das doenças! E, eis, finalmente, os dois Ibejis, deuses da infância.
lemanjá, encantada, repetiu o nome de todos eles, um por um, outra vez:

-        Xangô, Iansã, Ogum, Ossaim, Omulu e os dois Ibejis!

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